domingo, 11 de maio de 2008

Valentine's day

- Acordastes cedo.

- É que vou-m’embora.

- Vais?

- Sim, vou.

- Porque vais?

- Não o quero mais.

- Por quê?

- Fado.

- Fado?

- É. Fado. Cansei-me de teu gosto, rosto e posto.

-Tudo bem. Abro-lhe a porta.

Ela se foi ao sol da manhã, caminhando em direção ao sol da cidade imensa. Ele voltou pra cama, olhou o teto, e ficou a divagar. Ela chegou em casa, bebeu conhaque se sentou à mesa e começou a escrever:

“Não me porto assim há tempo. Cansei-me de tentar ser. Não quero mais deixar-te a mim preso, certa de que mesmo que longe te faço influência. Chego ao ponto em que desligar-me de tudo é o mais sensato a fazer. Já não sinto mais o sal nas lágrimas dos olhos, e nem o açúcar do mel da flor roubada da casa da vizinha. Não me embriago e rio. Bebo e choro. E choro conhaque, puro. Me quedo longe do que seria o destino ideal, ou o início de um futuro brilhante. Noto que só há desgraça e aparência. Não me quero continuar aqui. Amo-te.”

Valentina. Nome que agora sopra o vento saído da boca da morte. É... Ela veio buscar Valentina. Se foi escutando “estátuas e cofres e paredes pintadas”, não pôde ouvir o final da música. Ela se jogou da janela do quinto andar.

Vinte e nove anos, vinte e nove amigos, vinte e nove reais na bolsa... Só isso. Não era necessário mais do que aquilo, não iria usar. Terminava o sonho de sua vida: a faculdade de medicina. Tentou muito. Conseguiu. Passou fome por dois anos na cidade maravilhosa, depois se arranjou, até comprou um Corcel 73. Não se contentava em ser só humano, ridículo, limitado, que só usa dez por cento de sua cabeça animal. Tinha consciência de que devia estar contente por ter emprego e ser um dito cidadão respeitável. De repente, num baque, viu o lixo que tudo aquilo era...

Pela manhã, acordou com o sol na janela do seu quarto, tomou conhaque num dos cantos da cidade, saiu pra andar, tentar esfriar a cabeça, sentou à calçada da praça, desenhou toda a calçada, acaba o giz, terminou com tijolo da construção, rabiscava o sol que a chuva apagou. Era tão fácil voltar pra casa, o caminho era um só, mas preferiu andar mais.

Queria ser como os outros e rir das desgraças da vida, ou fingir estar sempre bem, ver a leveza das coisas com humor. Via passar gente de cara feliz. Mas a alma estava podre, uma goiaba bichada, mas comiam o bicho, afinal, “bicho de goiaba é goiaba”. Só queria um abraço de um desconhecido, um oi ao menos, “mas não me diga isso, não me dê atenção, e obrigado por pensar em mim...”

Viu que sua presença nada era, não passava de pura ilusão egocentrista, pensou no que aconteceria se seus pés ficassem duros: Quem vai saber o que você sentiu? Quem vai saber o que você pensou? Quem vai dizer agora o que eu não fiz? Como explicar pra você o que eu quis?Era agora só um soldado pedindo esmola, não queria lutar.

Era tudo tão difícil, pensou em ir à casa da Noélia, não foi. Já sabia o que iria acontecer:

-“Quando tudo está perdido sempre existe um caminho, sempre existe uma luz...”

-“ Mas não me diga isso, hoje a tristeza não é passageira, hoje fiquei com febre a tarde inteira, e quando chegar a noite cada estrela parecerá uma lágrima.”

Era o que aconteceria.

Mas por acontecer, ela não sabia o que acontecia com ela mesma, Cadê o bronze no corpo, os olhos azuis? O seu corpo teinha marca de sangue e pus.

Decidida a findar aquilo, já que tudo dava errado, o que foi prometido niguém prometeu, se deu uma ordem: findar. Ordens são ordens.

Deixou umas frases, antes de ligar seu som, abrir sua janelae sentir o vento gélido no seu rosto: “Calei e escrevi isto em reverência pela coincidência: É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, por que se você parar prá pensar, na verdade não há.” De fato, não havia.

Ela se jogou da janela do quinto andar, nada é fácil de entender.

Nenhum comentário: