domingo, 31 de agosto de 2008

Concessão da alma

Minh'alma saiu do corpo.
Tem agora vida própria
E erra, solta,
Qu'ela é, agora
Livre de meu corpo sujo.

Minh'alma é, agora
Leve e compassiva,
Então a podes ver
E tomá-la para ti,
Caso lhe seja de desejo.

Vê como minhas mãos putrefam,
Vê o bloco de gelo nos olhos,
Ouve a monotonia cardíaca,
Ouve a fraqueza desta voz.
Houve tudo, e minh'alma foi-s'embora.

Leva-a contigo.
Alimenta-a,
Qu'ela agora é tua,
E há de tomar teus frutos,
E alimentá-los, como meus.

Redentor

E o destino vem, sóbrio e colorido.
Senta-se ao lado, abre seu jornal,
Sem pressa.
Cumprimenta; dá bom-dia
E punge teu tórax
E rasga-te como porco a mais
De sua criação.

Passou-se vida toda a cuidar de margarida
E margarida foi pisada e cospida.

Mas permaneço de pé.
Permaneço tonto, atento
Pra qualquer hora dessas
Ter um vira-jogo.

E a ganância é tanta,
Mas a ganância é tanta
Que mesmo que me dilaceracem,
Mesmo que me amordaçassem,
Continuaria de braços abertos
À espera de mais tiros...

domingo, 24 de agosto de 2008

Desmateriação ansiosa

Quero me acabar
Em pétalas azuis
E renascer
Na rosa púrpura do jardim.

Quero me esconder
Por entre a relva
E gladiar
Com os pássaros no ar.

Quero morrer todos os dias
E acordar sozinho,
Depois ir à cozinha tomar café
E me acercar de todo mundo.

De tudo que eu quero
Só me resta um pedido,
único e fatal:
Não quero mais nada.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Diálogo Infantil: Sobre o Crescer das Pessoas

- Irmão, vamos ali no quarto. A Fera tá só esperando a gente chegar e derrotá-la.
- Que Fera? Desconheço tal ser.
- Irmão! A Fera que a gente tava lutando contra ela ontem. Lembra não?
- Não me lembro de ter lutado contra ser algum ontem...
- Porque que você tá com essa cara séria? Cadê aquele sorrisão bonitão que ficava na sua cara?
- É irmão... O sorriso acabou. Infelizmente eu cresci, e agora não entendo mais nada do que você fala. Meu mundo não é igual ao seu. Não há monstros, nem fadas, nem estórias quaisquer que possam fazer de mim um príncipe ou um cavaleiro corajoso. Agora tudo aquilo de bonito que a gente construía perdeu seu lugar para um monte de números, e o nome que o Rei daquele reino muito distante foi trocado pelo número do meu CPF. Eu virei um número. Desculpa, Irmão.
- (choro)
- Não chora, Irmão. Vai acontecer contigo também...
- Quando eu crescer a gente brinca de número, então...

domingo, 17 de agosto de 2008

Metalinguagem #5 - O Ocorrer das Coisas

Vai, poeta...
Junta aquilo que te aflige
E cospe tudo num poema!

Grita ao som amarelado
Da palavra tudo aquilo que te doi
Depois engole, e regurgita em poesia.

Faz de tua letra, música,
E de tua música
A sublimação do defunto da vida.

Transorma tua folia em tua fonia,
E faz dela o grito que ninguém ouve,
E ouça só tu a tua poesia, enfim.

Parte-sino

E, do dia em que se partir em diante,
Há de ser refeita toda aquela soberbia
Que o levara ao tédio antes de se partir.

Vá-te, criança pequena,
Corre campo verde
Antes que o verde enegreça.

Pega lírio e cheira,
E se ria, contente da vida,
Qu'ela é pouca e corre.

E, do dia em que se partir em diante,
Há de se perfazer, ao longe,
Toda a euforia que havia naquela menina...

sábado, 16 de agosto de 2008

Cielo Tempo

Galga-se na escada
Que leva à glória
E, de lá, toma-se um tombo
Leve, e cai ao chão, de cara.

Que será que é?
Pintura, gravura, retrato?
Que será que é que mostra
Esse episódio calado da vida?

Quem sabe o não saber
Seja o mais sábio
Dos saberes
Por agora?

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Plumpt!

É sobremesa antes do almoço;
É ver de novo, ver TV colosso;
É euforia
É alegria, ria.

Amanhã que nem é dia
Minha sina é de pirar
Revolvendo vivas voltas,
Vivo, vou vendo avivar.

Amanhã que nem é dia
Nem é dia de gritar,
Já desperto na euforia
Da alforria de chorar.

É sobremesa antes do almoço;
É ver de novo, ver TV colosso;
É euforia
É alegria, ria.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Dez pedidos

Soltava a cabeça
E a deixava pirar sozinha.
Corria lá no monte,
Naquele monte de coisa
Que a gente poderia ter feito,
Ter feito se o tempo não fosse maldito
E se pusesse a maldizer o nosso tempo.

E lhe deram tempo, bem pouco tempo
Para que fizesse tudo aquilo
Que não lhe cabia na cabeça
Porque era pesado demais,
Porque era insípido, inodoro e incolor.
Não era água... era dor.
Era a dor de ter vivido tanto em pouco tempo.
Era a dor de ter vivido tempo em tão pouco tanto.

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Detesto dizer isso: Adeus, Moleque.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Mãe Joana

Há de ser parida
A dona do fado humano,
Que fora deciso e próprio
Do ser que chora atônito.

Há de ser remida
E presa num lugar distante,
Se fazendo sóbria
De sua missão.

Há de quebrar corrente
E fazer rebelia
Contra todo aquele
Que lhe queira em peleia.

Há de querer gritar
Na bioca alheia
E fazer do grito
Bala, faca e guerra.

E há de ser torturada
E morta como infiel
Que ousa abrir a boca
Contra aquele que manda mais.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Ânsia-tórax

E te queda
"Garota e seminua"
No meu verso
Qu'ele é feito a ti.

E corre a seda
Leve e solta em teu corpo,
Que lhe dá a forma exata
Ao desejo forte.

Canela, cravo, violino.

New york, New york

É tudo o que quero ser. Quero ser o que ninguém quer. Quero fazer tudo aquilo que todo mundo despreza, que todo mundo não quer fazer. Posso Até ganhar dinheiro assim, não posso?

Quero ser o idiota do monobloco. Aquele que no fim da festa ainda está cantando sem parar, que ainda sorri, sem o menor receio de ser chamado de idiota, apesar de ser somente isso: idiota. Ser idiota é o que há. É o que há de mais satisfatório na vida, uma vez que sendo idiota assumido, o merecedor de tal apelido não ficaria chateado e continuaria vivendo numa boa ao ser zombado. Ele ainda iria cantar as músicas nos fins das festas, ainda iria rir como só um idiota sabe fazer, ainda iria comer pão com salame na frente de todo mundo achando uma delícia, iria dançar na chuva, iria falar bobeira na frente de todo mundo, enfim, continuaria feliz. Já o zombador(idiota esse, pejorativamente falando) não iria se contentar, e iria continuar a lhe dirigir ofensas e mais ofensas até perceber que nada disso adianta. "É como disse na música: quero é ser ninguém na multidão."

E assim, a gente vai descobrindo que nem sempre na vida tropeço é caminho, nem sempre na vida máscara é de fantasia, e nem sempre na vida amor e ódio andam juntos.
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Ps: E sim, o idiota sou eu mesmo!

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Monovalsa

O abandono monocolorido
Cerra tempo insolúvel
Na ardência calma
Da ânsia de vida.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Diálogo infantil: sobre a morte


- (Snif, snif!)
- Que foi?

- A Lila morreu...
- (Silêncio, seguido de um riso de canto de boca)
- Pára de rir, seu mamão!

- Irmão, olha só... lembra quando a Lila teve filhotinhos?
- Lembro...

- Lembra que tinha o Stulk, a Kika, e o Baco? E lembra que o Baco morreu?

- Lembro...
- Então, quando o Baco morreu a Lila chorou também... mas ela ainda tinha dois filhotinhos.
- Que que tem isso? Eu não tenho filhotinhos.

- Mas ainda tem o Stulk e a Kika aqui em casa.
- A Lila esperou a gente enterrar o Baco e foi cuidar dos outros dois... a gente tem que chorar sim, mas a gente tem que chorar de alegria também, a Lila tava velha... teve uma vez que ela me contou que queria 'ir dormir'...

- Ela tá feliz?

- Tá sim!

- Então tá... vou parar de chorar daqui a pouquinho tá?
- Tá bom... olha, eu vou te deixar aqui no quarto, pra você terminar o choro. Volto daqui a pouco, tá?
- Tá bom... Irmão!
- Oi?

- Eu te amo, viu?

- Eu também, irmão.

- Pode chorar no seu travesseiro?

- Pode... mas se você babar nele eu te bato.

Diálogo infantil: sobre os irmãozinhos


- Irmão... quer ter mais um irmãozinho?
- Hum... não sei... mas, e se eu quiser, e daí?
- E daí que a gente pode ter um irmão facim, facim...
- Pode?
- Pode...
- Então arranja um irmão aí.
- Não! Nâo é assim também, né, ou... A gente tem quefazer a encomenda, ou ´plantar ele no quintal, ou ir lá no céu...
- Hãn?
- É... é assim: a gente pode ter um monte de irmão diferente, e pra nascer de cada jeito, a gente faz ele de um jeito diferente.
- Ah... aí se eu quiser ter um irmão que gosta de animal eu peço pra cegonha?
- Isso!
- Nossa, que bonito isso...
- Então vou plantar um irmãozinho lá na horta.
- Porque?
- Porque ele vai saber mexer com comida... aí ele vai dar comida pra todo mundo que não tem, e vai ficar todo mundo feliz... igual quando a gente ganha ovo grandão na páscoa.
- Ah... então tá... vamos lá pedir a sementinha 'praquela' moça que vende verdura... CORREEEEE!!!